Ganhando um salário mínimo de R$ 954, venezuelanos que vivem em Campina Grande usam renda para ajudar as famílias que ficaram no país de origem ou migraram para outros países.
Trabalhar no Brasil para sustentar a família que ficou no país de origem é o objetivo dos venezuelanos que chegaram a Campina Grande, na Paraíba, entre agosto e setembro deste ano. Hoje, com carteira assinada, a maior parte do salário mínimo de R$ 954 que eles ganham, enviam para as famílias que estão na Venezuela ou que migraram para outros países da América Latina.
A ideia de ficar no Brasil só existe até que o país de origem mude. Todos pretendem voltar para a Venezuela quando acabar a crise no país. Para os venezuelanos, mesmo com perspectivas de promoção nos empregos, recomeçar em um lugar diferente e permanecer sem a família é muito difícil. A saudade das pessoas e de onde viviam é maior do que tudo.
A Paraíba já recebeu mais de 100 refugiados venezuelanos. A Casa de Acolhida do Migrante, no Conde, Litoral Sul paraibano, recebeu 98 venezuelanos. Destes, 25 ainda permanecem no abrigo. No Agreste, 9 refugiados passaram por um abrigo na Fazenda do Sol, em Campina Grande, de onde já saíram; 2 foram para o convento Ipuarana, em Lagoa Seca, onde permanecem. Dos que foram acolhidos inicialmente em Campina Grande, 4 ainda moram na cidade, 3 moram em Areia e 2 foram para João Pessoa.
Dionmer Francisco Zambrano, de 39 anos, foi um dos últimos dos 7 venezuelanos a chegarem à cidade através da ONG Fraternidade sem Fronteiras. Natural da cidade de Maturín, no estado de Monagas, ele está no Brasil desde setembro de 2017.
Antes de chegar em Campina Grande, Francisco, como prefere ser chamado, passou um ano e quatro meses em Boa Vista (RO) trabalhando como voluntário na FSF, ajudando outros refugiados. Francisco veio para o Brasil com a esposa Yamileth. Mas a companheira, que estava grávida, retornou à Venezuela para ficar perto da família.
Após o nascimento de Anamile, que hoje está com três meses, a mulher ficou doente e precisou migrar para a Colômbia com a filha em busca de tratamento médico. Além de Anamile, ele deixou na Venezuela mais dois filhos de outro casamento.
Quase todo o dinheiro que ganha, Francisco manda para a família. Além do dinheiro, o venezuelano envia fraldas e leite pelos Correios para a filha de três meses.
“Faz dois meses que Francisco enviou o material pelos Correios para a filhinha dele, mas ainda não chegou lá”, disse o empresário José Hélio Leal, que ajudou a trazer os venezuelanos para Campina Grande através da Fraternidade sem Fronteiras.
Venezuelano Francisco Zambrano trabalha como cozinheiro em restaurante e já cobre as férias do chefe da cozinha, em Campina Grande — Foto: Érica Ribeiro/G1 PB
Trabalho e moradia
Francisco é um dos três venezuelanos que conseguiram emprego em um restaurante de um shopping da cidade. Trabalhando com o que sempre amou fazer, o novo residente em Campina Grande é cozinheiro e já cobre as férias do chefe da cozinha.
Em um apartamento próximo ao shopping onde trabalha, Francisco divide espaço com outros dois venezuelanos, Gabriel e Gleomar. O cozinheiro afirma que o que tem é o suficiente para viver, mas que deseja alugar um espaço separado para que ele possa trazer a esposa e a filha mais nova para o Brasil.
O apartamento em que os três venezuelanos moram fica localizado no bairro Vila Cabral de Santa Terezinha, próximo ao shopping onde eles trabalham. O espaço é alugado pelos empresários José Hélio e Candice Silveira. Segundo o casal, a partir de janeiro de 2019 os três passam a arcar com todas as despesas.
Apartamento em que três venezuelanos moram em Campina Grande fica localizado no bairro Vila Cabral de Santa Terezinha, próximo ao shopping onde eles trabalham — Foto: Érica Ribeiro/G1
No mesmo prédio, Yoel Vera, que antes dividia com os outros, decidiu alugar e pagar sozinho um apartamento para ele. O venezuelano, que está com dificuldades para dormir, precisou ir a uma consulta com um psiquiatra. Atualmente ele trabalha como auxiliar de cozinha no mesmo restaurante que os outros venezuelanos Francisco e Gleomar.
Yoel também manda a maior parte do que recebe para a Venezuela, onde está o filho de 10 anos, e o Peru, para onde migraram uma irmã, a mãe e uma sobrinha. O venezuelano está no Brasil há quase um ano. Ele conta que no início se arrependeu de vir para o Brasil porque sofreu muito em Boa Vista (RO), onde passou seis meses.
“Eu perdi uma unha do pé de tanto caminhar com sapatos apertados, mas hoje eu estou bem porque aqui em Campina Grande é bem melhor. Agora eu estou vendo a luz no fim do túnel”, relata Yoel Vera.
O venezuelano Yoel Vera, que antes dividia apartamento com os outros refugiados, decidiu alugar e pagar sozinho um local para ele em Campina Grande — Foto: Érica Ribeiro/G1
Adaptação e renda extra
Os quatro venezuelanos que moram e trabalham em Campina Grande têm aulas de português uma vez por semana. Um deles, Gleomar José Aillon, de 45 anos, que também trabalha como auxiliar de cozinha à tarde, decidiu aproveitar o tempo livre para ganhar uma renda extra.
Com um espelho, uma banquinha e cadeiras de plástico, Gleomar improvisou um espaço embaixo do prédio onde mora para trabalhar como barbeiro – profissão que exercia na Venezuela. Além disso, ele aproveita eventos no shopping para fazer o que tanto ama: shows de mágica. O desejo é trabalhar com isso em aniversários e festas da cidade.
Gleomar quer trazer a namorada para o Brasil. O venezuelano, que estava em Boa Vista (RO), veio para Campina Grande dia 7 de agosto. “Deus me mandou para aqui, aqui é muito bom! Eu ganho R$ 970 e mando R$ 800 para lá”, frisou.
Com um espelho, uma banquinha e cadeiras de plástico, Gleomar improvisou um espaço embaixo do prédio onde mora para trabalhar como barbeiro, em Campina Grande — Foto: Érica Ribeiro/G1
Angel Gabriel Ordaz, de 25 anos, que começou como atendente em uma filial de fast food em um shopping de Campina Grande, ajuda na cozinha. Segundo os empresários, pelo desempenho que o mais jovem dos venezuelanos tem apresentado, ele está para ser promovido a uma vaga de estoquista.
O rapaz morava na cidade de El Tigre, no estado de Anzoátegui. Faltava um ano para que ele concluísse a graduação em Engenharia Civil, quando teve que ir embora do país por causa da situação econômica. Na Venezuela ficaram a mãe, o irmão de 6 anos e as avós.
“Eu investiguei para onde eu poderia ir e, apesar do idioma ser complicado, pra mim o Brasil é o melhor país da América Latina para viver. Aqui não sofri nenhum preconceito, as pessoas são muito receptivas, fui muito bem recebido”, conta Gabriel.
Gabriel manda 80% do salário mínimo para a família. Ainda assim, segundo ele, não é suficiente. “O que mando dá pra uma semana, 15 dias, comida lá é muito difícil. Além disso minhas avós são diabéticas e precisam comprar medicamentos”, lamentou.
Gabriel Ordaz, de 25 anos, que começou como atendente em uma filial de fast food em shopping de Campina Grande, já cobre férias como estoquista e ajuda como pode na cozinha — Foto: Érica Ribeiro/G1
Três venezuelanos no Brejo da Paraíba
Quando chegaram a Campina Grande, os sete venezuelanos que vieram para a cidade pela FSF ficaram em um abrigo de uma igreja. Mas, segundo o empresário José Hélio, como o local era distante do trabalho, eles só permaneceram 15 dias no abrigo. Quatro ficaram em Campina Grande e três foram para a fazenda do empresário na zona rural de Areia, no Agreste paraibano.
Fernand, além de Wilmer e a esposa Milagro, foram para Areia. Eles moram na casa da fazenda dos empresários que os contrataram. De acordo com José Hélio, outra residência está sendo construída no local para eles.
Por não ter perfil e experiência para o trabalho na fazenda, a mulher, Milagro, está na fazenda apenas fazendo companhia ao marido Wilmer, mas também está à procura de emprego.
De acordo com os empresários Candice e José Hélio, que receberam e contrataram os refugiados, mais um venezuelano chega a Campina Grande em janeiro de 2019 e já está contratado para trabalhar em um restaurante do shopping.
Para os venezuelanos, mesmo com perspectivas de promoção nos empregos, recomeçar em um lugar diferente e permanecer sem a família é muito difícil — Foto: Érica Ribeiro/G1
G1