terça-feira, abril 30, 2024
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Juíza paraibana, filha de juíza ingaense, recebe título de cidadã pernambucana. Veja seu discurso

Discurso proferido pela juíza Andrea Rose na Assembleia Legislativa de Pernambuco  . (Fonte: Blog do Vavá da Luz)

Existem momentos na vida que são inesquecíveis. Este, certamente, será um deles!

 “Na pedra de turmalina, e no terreiro da usina eu me criei”, na minha Paraiba querida. (Zé Ramalho)

 Ariano Suassuna dizia que “O ser humano é o mesmo em qualquer lugar, em qualquer tempo, em qualquer que seja a sua condição”. Mas, eu complemento o poeta afirmando que ninguém sai o mesmo depois da alegria de receber, da terra que lhe adotou, tamanha honraria.

 O paraibano Jose Américo de Almeida acreditava que “Ver bem, não é ver tudo, é ver o que os outros não veem”. E eu lhes garanto que muito me distancio da “pompa e circunstância” que os senhores aqui possam enxergarem mim. E aí invoco Fernando Pessoa “Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer nada. Á parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo”, além da certeza que sou uma obra inacabada de várias mãos e vidas.

Nasci em uma família tradicional de classe média, estudei em um  dos melhores colégios de João Pessoa, o Instituto João XXIII, estudei música, embora não tenha talento para reconhecer uma nota sequer; fiz ballet, inglês, computação, etc, costumo dizer que meus pais falharam, e muito, em seus propósitos comigo, pois me queriam completa e perfeita. Hoje, sou mãe e reconheço: o erro não foi de vocês!

Fui privilegiada por nascer em um clã de pessoas simples e ricas em valores como o trabalho, a honestidade e a cultura. Cresci rodeada por livros, qualquer um que quisesse era só recorrer a tia Miriam, minha tia historiadora e escritora, autora de dois livros, professora até  se aposentar, a senescência não permitiu sua presença aqui.

A dúvidas de matemática sempre foram resolvidas por tia Mércia, que tb me levava e trazia da escola, carregando minha boneca, minha chupeta e toda a paciência que só mãe dedica.

Tia Marilena cuidava das comidinhas especiais e dos encontrinhos dos primos, depois do colégio, no final da tarde, na casa de vovó Alcide, no Bairro do Roger. Pãozinho quente da padaria Flor das Neves, muitas brincadeiras e conversas no terraço, que sempre terminavam com a bênção de vovô Zé Sinval e um dinheirinho para colocar no miaeiro.

Além da minha mãe, tive essas outras três mães, eu e meus irmãos.

Uma infância feliz e repleta de amor e cuidados. Nós cinco, eu, mainha, painho, Fabiana e Junior, sempre estávamos juntos nas refeições, ouvíamos os sermões e os planos da família. Cresci participando e ouvindo sobre os bons e os maus momentos.

Meus pais, Mariza e Levi, sempre nos legaram o exemplo do trabalho, e nos puseram a par das diversas realidades que a vida pode oferecer. Atribuo a esse misto de proteção e exposição todo o equilíbrio que precisei para lutar pela carreira que abracei.

Aos 18 anos, fiz meu primeiro concurso e fui ser oficiala de justiça na Vara Distrital de Mangabeira. La em casa só era permitido trabalhar em funções relacionadas a carreira, conseguidas com mérito, independentemente, da remuneração. Meu pai custeava o combustível e o celular que eu usava para cumprir os mandados dentro de favelas e lugares de acesso complicado, o que representava mais que meu salário. O juiz, meu chefe, na época, Dr. João Machado chegou a aconselhar meu pai: “Levi, não deixe sua filha cumprir mandado nesses lugares. É muito perigoso!. Mas, meu pai queria, simplesmente, que eu aprendesse a trabalhar.

Passei a vida vendo todo mundo trabalhando e lendo ao meu redor, minha prima mais velha Patricia estudava por  Enciclopédia, volume por volume, aos 12 ou 13 anos. E minha avó Alcidepartiu aos quase 100 anos lendo livros, jornais e revistas diariamente.

Estudar e trabalhar é só o que sei fazer graças a minha família, ou seja, “ Na minha família, quem não é doido, junta pedra pros doidos jogar no povo”. (Ariano Suassuna).

Não posso esquecer da minha grande paixão que sempre foi o voleibol. Dos 13 aos 18 anos anos, minha vida girou em torno do esporte, fui atleta do colégio, clubes, seleção paraibana e cheguei a treinar pela seleção brasileira do nordeste. Aos 18 anos, já cursando odontologia e direito, além de ser funcionária pública, não havia mais espaço para o meu vôlei. Parar de jogar foi uma escolha muito difícil.

Na verdade, comecei no ballet aos 4 anos, e até hoje sou aficionada pelas endorfinas da atividade física.

A odontologia me deu um dos maiores presentes da minha vida, meu marido Henrique. Ele concluindo medicina e eu entrando em odonto, ainda nos cruzamos na UFPB no setor de Ciências da Saúde. E ai, tudo foi construído, casamos, veio minha menina Maria Eduarda, conclui Direito com ela na barriga, estudei para concurso entre uma mamada e outra, fui esposa, mãe, dona de casa em São Paulo, e depois Promotora de Justica na Paraiba em um curto espaço de tempo.

Foi quando Henrique foi convidado para trabalhar em Recife e eu precisei fazer outro concurso, dessa vez para Magistratura. E assim, reunimos a família, encomendamos logo Henrique Filho, que fizemos questão que nascesse na Paraíba tb.

Ao meu marido Henrique devo a estrutura e o constante apoio nos diversos momentos da minha vida. Com ele conheci o verdadeiro sentido do amor incondicional. Meu companheiro de sempre!

A magistratura me veio como um presente para reunir minha família em um só local. E, embora seja um concurso dificílimo, lá em casa, somos três juízas , eu e minha mãe Mariza aqui em PE , e minha irmã Fabiana na Paraiba, todos seguimos meu pai que é advogado, e que também inspirou meu irmão advogado Levi Júnior.

Minha mãe costuma atribuir essa bênção de sermos três juízas a realização do sonho do meu avô Zé Sinval que queria ter sido juiz e deve ter intercedido por nós lá de cima onde ele está.

Digo da minha Paraiba “Minha vida, meus sentimentos, minha estética, todas as vibrações da minha sensibilidade de mulher, têm, aqui, suas raízes “ (Cora Coralina). Mas, não posso negar que sempre senti uma incompletude, e, embora amasse minha terra, faltava-me um sentimento inteiro de pertencimento e identidade.

 Pernambuco não foi uma escolha minha, mas, o melhor da vida acontece quando não há expectativas. Aqui, fiz amigos, fui acolhida, amada e reconhecida. Não posso negar que em Pernambuco eu sou feliz!

Na Paraiba ficou meu voleibol, mas, em Pernambuco desenvolvi o gosto pela gastronomia. As panelas e especiarias enchem meus dias e minha mesa de amigos.

“Bem por isso mesmo diz o caboclo: a alegria vem das tripas – barriga cheia, coração alegre. O que é pura verdade” (Cora Coralina).

Na Paraíba, cresci amando a bandeira rubro negra do NEGO; aqui, nada mudou, continuo meu querer bem pelo rubro negro do Sport!

 

A minha Paraíba guarda meus grandes tesouros, meus pais, a eles devo tudo, se viver duas vidas em devoção, jamais conseguirei agradecer o que recebi e recebo. Obrigada, painho e mainha. Meus irmãos, Fabiana e Júnior, amizade incondicional.

Guarda meus amigos de infância, do vôlei, do colégio, da vida. Muito feliz de ver muitos aqui.

Meus sogros, Ana Emilia e Ocelio, meus cunhados, minhas tias, tios, sobrinhos e primos. São a certeza de encontros alegres quando retorno a terrinha.

Lá está o alicerce da minha vida.

E aqui em Pernambuco eu posso dizer que tive sorte. Sorte, segundo Sêneca, é o que acontece quando a preparação encontra a oportunidade.

Aqui já cheguei pronta, mulher, esposa, mãe e juíza, já com a experiência de quase quatro anos no Ministério Público da Paraiba. E tudo sempre tem seus porquês…essa vivência trazida me fez transitar com muita tranquilidade por diversos desafios que os 15 anos de Magistratura, a maior parte na área criminal, me fizeram experimentar. Descobri porque a paraibana tem fama de “mulher macho”.

Recebi ameaças de morte, tive a vida negociada por preço vil, conheci a miséria humana de perto, e percebi que a distância entre a felicidade e o inferno pode ser muito pequena em alguns lugares onde o Estado não chega. Sempre lembrarei com gratidão dos amigos, os desembargadores Fausto Valença de Freitas, Hélio Siqueira Campos (in memorian) e Macedo Malta.

Já senti muita dó de almas miseráveis entregues a criminalidade, não por escolha, mas, como única opção apresentada pelas circunstâncias da vida. Acreditem! Isso existe!

Fui, na Paraiba, uma promotora “afoita”, como diria minha avó; mas, em Pernambuco, cheguei uma juíza madura e mais ponderada. E no final, muito sensível, até, para permanecer no crime.

Minha última atuação no crime foi na vara de violência doméstica de Jaboatão dos Guararapes, matéria que me aproximou dos melhores valores da Magistratura, dentre eles destaco a Desa. Dayse Andrade, por quem nutro não apenas admiração, mas, gratidão por ter apostado no meu trabalho.

Sou dona de uma alma inquieta, e como dizia Ariano Suassuna, “A gente tem uma tendência para acreditar que não morre”, e, assim, a cada dia acordo com um novo sonho e a mudança sempre é um desafio que me instiga.

Depois de mais de quinze anos lidando com crimes, audiências, júris e réus, me titularizeiem Recife em uma vara de sucessões e registros públicos. E, embora a Magistratura, e todo o sistema de justiça, atravesse um momento de vicissitudes, essa nova matéria reascendeu meu ânimo e me fez voltar a sonhar. Quiçá me aventurar por outras estradas e descortinar novos horizontes.

“Cada segundo é tempo para mudar tudo para sempre”. (Charles Chaplim).

E uma nova aventura surgiu, passei de eleitora relutante para ativista ferrenha do associativismo pro resgate da Magistratura. Sou candidata a vice presidente da AMB – Associação dos Magistrados brasileiros, na Chapa 1 – Magistratura Independente, ao lado do Colega Luiz Rocha, que pleiteia a presidência.

Mas, lembrando Jose de Alencar, “Todo discurso deve ser como o vestido das mulheres, não tão curto, que nos escandalizem, nem tão comprido, que nos entristeçam.”

E Mario Quintana: que o discurso mais chato é o perguntativo.” Prefiro o chato discursivo ou narrativo, que se pode ouvir pensando noutra coisa”.

Assim, não pretendo me demorar.

Mas, não posso ser tão célere que me torne ingrata. Receber o título de cidadã pernambucana é uma honra. É o reconhecimento de um trabalho, o que me deixa em regozijo.

No entanto, o que me faz ter gratidão, admiração e respeito é encontrar nesta Casa Legislativa homens de sensibilidade e altruísmo. Agora, refiro-me aos Deputado Clodoaldo Magalhães, autor da iniciativa da entrega desse honroso título, e o Deputado Eriberto Medeiros , presidente desta casa. Meu muito obrigada pelo reconhecimento.

Foi o Poder Legislativo, em seu momento embrionário que deu voz as necessidades populares e fez valer para o Estado o que era melhor para todos, mesmo que não o fosse para o rei.

A ideia de parlamento surgiu no final da idade média e meados da modernidade, com a reunião da aristocracia e dos comerciantes, em assembleia, para debater as dificuldades que afligiam a comunidade. Da evolução dessas assembleias, surgiu o Poder Legislativo.

O Legislativo é o Poder da república que guarda a maior responsabilidade em atender os anseios do povo que representa. Assim, a presença de pessoas sensíveis como os excelentíssimos deputados demonstraram ser, é fundamental.

Não pretendo me alongar, até porque tenho muito a agradecer. Sei que pecarei nesse aspecto, graças a Deus, esse espaço é muito curto para que eu possa saudar tantas pessoas especiais que cruzaram meu caminho e me ajudaram a definir rumos em momentos importantes. A vida me foi prodigiosa na construção de grandes amizades.

Por fim, gostaria de me dirigir aos meus filhos Maria Eduarda e Henrique Filho e dizer-lhes duas coisas:

A primeira é pedir-lhes perdão pelas ausências. Mamãe estava tentando construir uma trajetória que lhes fosse motivo de orgulho.

E a segunda, é para dizer-lhes que esta homenagem de hoje eu dedico a vocês que sempre foram o motivo da minha força, e a razão das minhas maiores alegrias.

Henrique, Maria Eduarda e Henrique Filho, obrigada por contribuírem para eu ser a pessoa que sou hoje. Sem vocês, nada faria sentido

Por fim “Tenho consciência de ser autêntica e procuro superar todos os dias minha própria personalidade, despedaçando dentro de mim tudo que é velho e morto, pois lutar é a palavra vibrante que levanta os fracos e determina os fortes.

O importante é semear, produzir milhões de sorrisos de solidariedade e amizade.

Procuro semear otimismo e plantar sementes de paz e justiça.

Digo o que penso, com esperança.

Penso no que faço, com fé.

Faço o que devo fazer, com amor.

Eu me esforço para ser cada dia melhor, pois bondade também se aprende!

(Cora Coralina).

 

Obrigada!

 

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