SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Para o engenheiro de software do Google Lucas Radaelli, uma das principais missões de quem busca ampliar a inclusão de pessoas com deficiência visual é encontrar novas formas de representar informações para que sejam entendidas sem os olhos.
Como exemplo, o curitibano de 29 anos, que é cego, cita a escrita musical em braille, em que as notas são apresentadas sem a necessidade de pauta, linhas ou clave de sol, mas a informação transmitida é a mesma do que a fornecida por uma partitura comum.
“O problema não é ser cego, é não acessar a mesma coisa que as outras pessoas acessam”, afirma.
Para Lucas, a tecnologia é fundamental para dar igualdade de oportunidades. Por isso, após cinco anos trabalhando no aprimoramento do sistema de buscas da bigtech a partir do escritório em Belo Horizonte, ele pediu para ser transferido para a equipe que cuida da acessibilidade nos produtos da empresa. Mora desde 2019 em São Francisco, nos Estados Unidos.
Para ele, a tecnologia possui um papel mais decisivo na vida de quem tem uma deficiência do que para as pessoas que não têm.
“Conseguir um livro em braille pode ser muito difícil. Mas consigo comprar um livro digital e usar meu leitor de tela [sistema que fala textos na tela do computador ou celular em voz alta] para chegar nele na mesma velocidade que qualquer pessoa.”
No último dia 21, Lucas foi às redes sociais comemorar sua promoção para um nível sênior. Disse que era o momento mais importante de sua carreira e que teve muitas dúvidas se chegaria até ali, porque as coisas são difíceis.
À reportagem, ele diz que as dificuldades que pensou ao escrever a mensagem estão ligadas principalmente a sua formação educacional.
Ele conta ter tido ajuda de muitas pessoas para conseguir material de estudo. Seu pai, Ivair, aprendeu braille para ajudá-lo e transcrevia as lições de casa que o filho fazia para que os professores pudessem ler. Sua mãe, Fátima, escaneava livros para que Lucas os ouvisse com softwares de leitura de texto em voz alta e o ensinou a digitar no computador aos seis anos.
Mais tarde, no ensino médio, o professor de matemática Rubens Ferronato o apresentou a um sistema que misturava pinos e elásticos para que ele pudesse sentir gráficos e funções com as mãos, um método de traduzir informações visuais para o tato que atiçou seu interesse pelas ciências exatas.
Na Universidade Federal do Paraná, onde entrou ainda sem saber programar, foram vários os colegas que gravaram textos e anotações de caderno para que ele pudesse ouvir depois, conta.
“Nós que não enxergamos estamos em uma desvantagem muito grande. Várias vezes quis estudar algo e não tinha acesso a material”, afirma.
No trabalho, por outro lado, a quantidade de adaptações necessária foi menor. Lucas diz considerar que a carreira de programador é, na maior parte do tempo, acessível para quem não enxerga. A empresa também se mostrou aberta para buscar softwares e equipamentos necessários para seu dia a dia, diz.
“Nunca senti que as pessoas me olhavam e pensavam: ‘que saco, uma pessoa com deficiência’; o que já aconteceu em outros lugares”, afirma.
Nem por isso deixam de haver situações em que ele precisa trabalhar com softwares que não funcionam adequadamente com seu leitor de telas. Em alguns casos, usou seu conhecimento de programação para desenvolver ferramentas que automatizaram soluções de um problema que enfrentava e as enviou como sugestão para o desenvolvedor do produto adotar, conta.
Lucas chegou ao Google, seu primeiro emprego após estágio no laboratório de pesquisa da faculdade, em 2014. Conta ter sido convidado para participar do processo seletivo comum da empresa após o fim de uma bolsa de estudos na Alemanha. Ele havia entrado em contato com a companhia para tentar se inscrever em um curso da empresa para pessoas com deficiência na Europa, mas não pôde se inscrever por não ter cidadania no continente.
Entre seus objetivos para o futuro, Lucas diz querer desenvolver projetos que permitam a outras pessoas que não enxergam aprender matemática e programação em formatos adequados. Para ele, a tecnologia pode automatizar muitas das atividades que, em sua infância, exigiram muita dedicação de seus pais.
Mas ele ressalva que não gosta de falar só sobre acessibilidade. Além de estudar piano, escreve com frequência em suas redes sociais sobre livros de fantasia e jogos.
Quatro vezes na semana pratica xadrez online. Diz estar em nível pouco acima do iniciante, mas gosta de participar de torneios com pessoas que enxergam. Para isso, leva um tabuleiro a mais, em que as peças são encaixadas e ele pode passar a mão sobre elas para examinar a situação e pensar a próxima rodada.
Também consegue fazer partidas de memória, com os jogadores narrando seus movimentos e imaginando as posições no tabuleiro.
“Gosto de esportes em que disputo de igual para igual”, afirma.
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