Em 2022, a coordenadora de projeto social Marluce da Silva Franklin, 60 anos, começou a ter uma série de sintomas inespecíficos: ela sentia dores intensas, cansaço físico e falta de ar, além de apresentar uma baixa de imunidade. Após meses de exames, ela foi diagnosticada com mieloma múltiplo (MM), um tipo de câncer que afeta o sangue.
Há 25 anos, o tratamento só permitia que 35% dos pacientes diagnosticados sobrevivessem mais de cinco anos. Um dos riscos era o desenvolvimento de neuropatia periférica, doença sem cura que causa dor, formigamento, dormência e fraqueza nas mãos e pés.
“Já os medicamentos modernos permitem que 75% das pessoas com mieloma múltiplo tenham sobrevida maior do que cinco anos após o início do tratamento. Além disso, os efeitos colaterais são menores”, afirma o hematologista Jorge Vaz, do Grupo Oncoclínicas de Brasília, vice-diretor de Comunicação da Associação Brasileira de Hematologia e Hemoterapia (ABHH).
Ainda assim, não se fala em cura para os pacientes com MM. Mesmo depois que o câncer desaparece, a maioria dos pacientes sofre com recidivas em algum momento. Quando recebeu o diagnóstico, Marluce lembra que ficou muito frustrada.
“Fiquei muito indignada. Nunca tinha ouvido falar na doença e o fato de não ter cura me desanimou, pois ainda tenho muitos projetos pessoais a realizar. O médico, porém, foi muito calmo comigo e me tranquilizou para explicar que eu ainda poderia ter qualidade de vida”, conta Marluce, que é coordenadora de um projeto de incentivo à leitura em Brasília.
Um dos principais problemas enfrentados pelos pacientes com mieloma múltiplo no Brasil é a disparidade entre o tratamento feito no Sistema Único de Saúde (SUS) e o particular. No sistema público, há tratamento para os primeiros momentos da doença, mas quando o paciente começa a apresentar recidivas, os médicos ficam com poucas opções de medicamentos.
“O tratamento ideal para o MM conta com três classes de remédios. São eles os inibidores de proteassoma, os imunomoduladores e os anticorpos monoclonais. Apenas as duas últimas classes estão no SUS. O carfilzomibe entraria para representar os inibidores de proteassoma. Sem ele, o Serviço Único de Saúde está, pelo menos, 20 anos atrás do que a medicina moderna tem a oferecer”, afirma o hematologista Vaz.
Marluce conta que fazia o tratamento com quimioterapia no SUS, mas continuava sentindo dores que prejudicavam sua qualidade de vida. Em 2023, ela conseguiu ter acesso a um plano de saúde que possibilita a administração de medicamentos mais modernos.
“Estou otimista, amo minha vida e meu projeto de leitura. Quero que outras pessoas também tenham esperança em controlar a doença”, afirma.
Modernização no SUS
A Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec) discutiu a incorporação do carfilzomibe no SUS em maio de 2023 e, em documento publicado no site da instituição, os integrantes decidiram, por unanimidade, encaminhar o assunto para consulta pública com “recomendação preliminar desfavorável”.
“Os membros consideraram que a evidência clínica apresentada é de boa qualidade. No entanto, o Comitê de Medicamentos entendeu que o horizonte temporal utilizado na análise econômica não estava de acordo com a história natural da doença, e que o preço proposto para a tecnologia pode não ser custoefetivo”, diz o documento.
Em nota enviada ao Metrópoles, o Ministério da Saúde explica que as contribuições recebidas durante a consulta pública que terminou em 14 de agosto serão analisadas e seguem para a recomendação final da comissão. Serão avaliados “aspectos como eficácia, acurácia, efetividade, segurança e impacto econômico da nova tecnologia no SUS”.
Metrópoles