quinta-feira, agosto 7, 2025
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O Simão Bacamarte da democracia brasileira

Em recente movimento da democracia nacional, o ministro Alexandre de Moraes irritou colegas seus ao decretar a prisão domiciliar de Jair Bolsonaro sem avisá-los.

Ele recebeu recados via imprensa, como a nota da Folha de S. Paulo, publicada anteontem, segundo a qual “prisão de Bolsonaro irrita ministros do STF, isola Moraes e pode ser reconsiderada”.

É prática recorrente entre ministros do tribunal, a de mandar recados via imprensa. Assim como é hábito também que o ministro responsável por mandar o recado apareça depois para dizer que o destinatário da mensagem conta com o total apoio dele e dos outros.

O ministro prendeu Bolsonaro à sua maneira discricionária, para dizer o mínimo, porque acha que pode tudo, inclusive emitir ordens de censura nebulosas que lhe permitam atuar nas zonas de sombra deixadas pelos seus despachos.

A batalha entre os que pensam que cogitar um crime não é praticar um crime e os que creem que basta cogitar para ser criminoso foi perdida faz tempo pelos primeiros, entre os quais me incluo, sem que se precise acreditar que Jair Bolsonaro é um democrata.

A questão já deixou de ser essa. O que se tem agora é um ministro que passou a ter a convicção de que é mesmo o paladino da democracia brasileira, conforme a narrativa oficial, e que, nessa condição heroica, pode tudo, sem ter de dar satisfação a nada e a ninguém, seja a Constituição, seja o Código de Processo Penal, sejam os próprios colegas de tribunal.

As circunstâncias brasileiras também pouco importam para ele: Alexandre de Moraes decretou a prisão domiciliar de Bolsonaro como ato de desafio ao seu nêmesis Donald Trump, em um momento no qual empresários nacionais procuram conter o tarifaço do presidente americano, separando o aspecto comercial do político.

Os maiores responsáveis pelas liberdades tomadas por Alexandre de Moraes são, principalmente, os demais ministros do STF, que agora têm de se haver com a personalidade incontrastável dele. A imprensa também tem grande dose de culpa ao ecoar, estridentemente, a narrativa oficial.

Aqui estamos, portanto.

Diante desta quadra inesquecível da história nacional, um amigo meu fez uma comparação magnífica: Alexandre de Moraes é Simão Bacamarte, personagem de O Alienista, de Machado de Assis.

Relembro: médico e cientista, Simão Bacamarte abre o hospício Casa Verde, em Itaguaí, e ao observar o comportamento dos habitantes da cidade, classifica quase todos os habitantes da cidade como loucos. Até que, ao questionar os limites entre sanidade e loucura, ele conclui que louco é ele por não perceber que a norma é a loucura e a sanidade, a exceção.

Simão Bacamarte dá alta, então, aos seus pacientes e se interna no hospício que abriu.

Troque-se loucura por democracia, e talvez Alexandre de Moraes um dia se dê conta de que, ao considerar tanta gente antidemocrática e ao atropelar a Constituição a pretexto de defender a democracia, o antidemocrático é ele.

Metrópoles

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