A bailarina e publicitária Fernanda Bota, de 39 anos, sempre conviveu com a enxaqueca, mas começou a ter graves crises de dor de cabeça em 2020. Pelo menos três dias por mês, ela se sentia incapacitada de seguir a rotina, até nas menores ações. Inicialmente, ela atribuiu as dores ao estresse — porém, elas se intensificaram e apareceram outros sintomas, como um intenso formigamento nos membros.
Preocupada, Fernanda decidiu procurar um neurologista e, durante a investigação, descobriu que tinha malformação arteriovenosa (MAV) cerebral, uma condição congênita (de nascença) que atinge 10 a cada 100 mil pessoas. Por conta dela, as veias e artérias do cérebro são envolvidas em uma espécie de novelo e, por isso, há predisposição ao desenvolvimento de quadros graves como o acidente vascular cerebral (AVC).
A malformação de Fernanda
“A MAV é uma malformação que surge na terceira semana de gestação e leva ao desenvolvimento de um nó nas veias do tecido cerebral. Geralmente, ela é descoberta em adultos jovens, de até 40 anos. Como envolve fatores genéticos, se há algum caso na família, deve-se fazer um monitoramento especializado”, explica o neurocirurgião Feres Chaddad, professor de neurocirurgia da Unifesp e chefe da neurocirurgia da Beneficência Portuguesa, em São Paulo.
O médico, que foi responsável pelo tratamento de Fernanda, alerta para dois grupos de sintomas da MAV. O primeiro inclui enxaquecas, déficits motores e até crises epiléticas causados pelo aumento progressivo do emaranhado de veias.
O segundo é causado pela evolução da doença, que leva a uma hemorragia intracraniana (causando debilitações variadas das funções cognitivas, como uma espécie de demência precoce) ou mesmo ao AVC. “Nos casos mais graves, o paciente pode evoluir para óbito”, indica o médico.
Cirurgia acordada
No caso de Fernanda, o quadro era tão grave que já tinha causado a formação de um aneurisma — a qualquer momento, ela podia ter um derrame. A MAV foi descoberta em uma ressonância e o mesmo exame identificou a necessidade de um tratamento cirúrgico.
“Assim que recebi o diagnóstico, tive que parar de fazer tudo. De um dia para o outro, eu, que sempre fui muito ativa, ia ao balé, à academia, precisei parar totalmente. Tinha medo até de dormir e ter uma complicação. Era como saber que tinha uma bomba-relógio na minha cabeça. Sinto que até hoje ainda estou saindo desse estado de alerta”, conta a publicitária.
Do diagnóstico até a cirurgia, foram três meses de espera. A MAV de Fernanda estava bem próxima à área motora, o que poderia trazer limitações de movimento, especialmente na região de sua mão esquerda. Por isso, Chaddad decidiu que a operaria acordada, testando os movimentos a cada passo.
“Das dez horas de procedimento, fiquei consciente em quatro. Uma das médicas ia conversando comigo e fazendo testes. Pelas anestesias, eles acreditavam que eu ia esquecer, mas lembro de tudo. Me emocionei ali no centro cirúrgico mesmo quando o médico disse que eu estava curada”, diz.
Apesar da complexidade do procedimento, a publicitária conseguiu voltar a trabalhar apenas 15 dias depois da cirurgia. Ela afirma que vive sem nenhuma sequela e pôde voltar a todas as suas atividades. “Consegui disputar algumas provas de corrida, voltei a subir aos palcos para dançar e finalmente estou livre das enxaquecas que me acompanharam a vida inteira”, afirma.
O tratamento cirúrgico não é a única possibilidade para pacientes com MAV. A depender do risco e do tamanho dos novelos venosos, se pode adotar uma embolização que desativa estrategicamente partes das veias para evitar o fluxo sanguíneo para as áreas afetadas e diminuir o risco de hemorragias e complicações. Outra opção é a aplicação de pequenas doses de radiação focada para alterar o emaranhamento, mas o processo é lento e pode levar até três anos para uma recuperação total.
Metrópoles