BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O governo federal prepara decreto para limitar a exclusão de conteúdos das redes sociais e engessar decisões de empresas como Youtube, Twitter, Facebook e Instagram. O texto impede que as companhias retirem informações do ar somente por julgarem que as próprias políticas foram violadas pelos usuários.
O decreto planejado também determina que publicações só devem ser apagadas por decisão da Justiça. As exceções seriam violações ao ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), pedidos do próprio usuário ou de terceiros, além de casos que configuram alguns crimes.
Publicações do presidente Jair Bolsonaro e de seus apoiadores foram excluídas das redes sociais durante a pandemia da Covid-19 por desinformar sobre a doença. Em abril deste ano, o Twitter colocou um aviso de publicação “enganosa” em crítica do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) ao lockdown.
Pela proposta em análise no governo, a exclusão de contas das redes sociais também dependeria de decisão judicial. Neste caso, há brechas, por exemplo, para apagar perfis falsos ou inadimplentes.
O decreto ainda prevê dar mais poderes ao secretário de Cultura, Mario Frias, pois uma pasta subordinada a ele deverá fiscalizar as empresas. O texto foi escrito na secretaria de Frias e recebeu aval da consultoria jurídica do Ministério do Turismo, que abriga a Cultura.
As regras em discussão impedem que, sem ordem da Justiça, os “serviços de meio de pagamento” apaguem ou limitem contas mantidas em seus aplicativos.
Na leitura de especialistas consultados pela Folha, esta regra atinge campanhas -como as defendidas pelo grupo Sleeping Giants- de desmonetização de contas que promovem discursos de ódio.
Ainda em debate no governo, o texto faz alterações na regulamentação do Marco Civil da Internet (lei 12.965/2014).
Bolsonaro confirmou, em discurso no último dia 5, que o governo prepara o decreto. Segundo o presidente, a ideia é dar “liberdade” ao usuário e punir quem desrespeitar as novas regras.
“A minha rede social talvez seja aquela que mais interage em todo o mundo. Somos cerceados, muitos que me apoiam são cerceados. Estamos na iminência de um decreto para regulamentar o Marco Civil da Internet, dando liberdade e punições para quem porventura não respeite isso”, afirmou Bolsonaro, em evento no Planalto.
O texto traz uma série de exceções que permitiriam a exclusão de conteúdos mesmo sem ordem da Justiça, como nos casos de “prática ou ensino” do uso de tecnologias “com o objetivo de roubar credenciais, invadir sistemas, comprometer dados pessoais ou causar danos sérios aos outros, ou ações contra a segurança pública, defesa nacional ou segurança do Estado”.
Há também brecha para apagar publicações a pedido de terceiro “quando constituir violação de sua imagem, privacidade ou direito autoral”.
A consultoria jurídica do Turismo sugeriu que as mudanças fossem feitas por meio de medida provisória ou projeto de lei, para evitar contestações na Justiça.
Para advogados consultados pela Folha, o decreto é ilegal e inconstitucional. “O decreto restringe a liberdade das empresas de gerir seus ambientes online. Vai assoberbar o Judiciário com casos triviais”, afirma o professor de direito da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e diretor do ITS (Instituto de Tecnologia e Sociedade), Carlos Affonso Souza.
Para Paulo Rená, professor de direito no UniCeub e integrante da Coalizão Direitos na Rede, o texto pode dificultar a remoção de conteúdos com discurso de ódio. Ele afirma que lacunas no decreto podem levar, por exemplo, a manter intactas contas que divulgam nudez no Youtube, se não houver ordem da Justiça para a exclusão.
Os professores concordam que é preciso avançar no debate sobre a transparência das decisões de retirada de contas e conteúdos das redes sociais. Eles afirmam que o local adequado para a discussão é o Congresso Nacional.
No mesmo discurso em que anunciou o decreto, o presidente afirmou que fará a mudança para tornar o Brasil “livre” e permitir que a população receba informações de verdade. “Possa saber o que acontece por intermédio das mídias sociais, que têm papel excepcional no Brasil, inclusive na minha eleição”, disse Bolsonaro. Ele disse ainda que o chamado gabinete do ódio deveria ser nomeado de “gabinete da liberdade, da seriedade”.
O governo ainda estuda impor punições às empresas que violarem as novas regras. A ideia é aplicar advertência, multa de até 10% do faturamento do grupo no Brasil ou até a proibição de exercer as atividades no país.
Google, Youtube, Facebook, Instagram e Twitter não quiseram se manifestar sobre o decreto. A Folha apurou com autoridades que acompanham a elaboração do texto que as empresas não foram avisadas sobre a proposta.
Os documentos que tratam da elaboração do decreto, além da própria minuta, foram enviados na última semana pelo ministro do Turismo, Gilson Machado, aos ministros Fábio Faria (Comunicações), Anderson Torres (Justiça e Segurança Pública) e Marcos Pontes (Ciência, Tecnologia e Inovações).
Obtida pela Folha, a “exposição de motivos” que deve ser apresentada a Bolsonaro antes de assinar o decreto afirma que há políticas de empresas que “afrontam o ordenamento jurídico nacional” ao remover conteúdos da internet.
Ainda em abril, o secretário Mario Frias informou ao ministro das Comunicações, em ofício, que estava apurando “eventuais irregularidades” na retirada de conteúdos das plataformas. O secretário havia feito questionamentos às empresas de redes sociais sobre as políticas de usuários.
“Os indícios apontam para uma violação do ordenamento jurídico brasileiro, em especial à garantia constitucional de livre manifestação do pensamento, além de infrações aos direitos autorais, matéria que deve ser tratada por esta secretaria”, afirmou Frias.
O governo não confirma as discussões sobre o decreto. O Ministério do Turismo, responsável pela Secretaria de Cultura onde o texto foi escrito, disse à Folha para procurar a Secretaria Especial de Comunicações, ligada ao ministério de Fábio Faria.
O Planalto também sugeriu encaminhar as perguntas ao mesmo ministério. Apesar de estar avaliando o decreto desde a última semana, porém, a pasta de Faria disse que “não existiu essa discussão”.
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