terça-feira, novembro 26, 2024
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Brasil registra quase 60 mil pessoas assassinadas em 2017

São 59.103 homicídios, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte. Número é o maior dos últimos anos. G1 lança nesta quinta-feira (22) novo projeto do Monitor da Violência que irá acompanhar mês a mês os dados de crimes violentos no país.

O Brasil teve no ano passado 59.103 vítimas assassinadas – uma a cada 9 minutos, em média. É o que mostra um levantamento feito pelo G1 com base nos dados oficiais dos 26 estados e do Distrito Federal. O dado, inédito, contabiliza todos os homicídios dolosos, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte, que, juntos, compõem os chamados crimes violentos letais e intencionais.

Houve um aumento de 2,7% em relação a 2016, quando foram registradas 57.549 vítimas no país. Como parte dos dados de 2017 será revisada e estados como Tocantins e Minas Gerais dizem que o balanço completo não está fechado, a tendência é que esse crescimento seja ainda maior. Além disso, em muitos estados os casos de morte em decorrência de intervenção policial não entram na conta de homicídios – ou seja, é seguro dizer que a estatística passa dos 60 mil (só no RJ, por exemplo, houve 1.124 casos do tipo no ano passado).

O levantamento faz parte do Monitor da Violência, uma parceria do G1 com o Núcleo de Estudos da Violência da USP e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Jornalistas do G1 espalhados pelo país solicitaram os dados via Lei de Acesso à Informação seguindo o padrão metodológico utilizado pelo fórum no Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado normalmente no fim do ano.

A ideia, no entanto, não foi apenas antecipar os números do ano passado, mas criar uma nova ferramenta que permita que o público acompanhe, da forma mais atualizada possível, os dados de mortes violentas no país.
Uma página especial foi desenvolvida para mostrar mês a mês os números disponíveis. O objetivo é, além de possibilitar um diagnóstico em tempo real da violência, cobrar transparência por parte dos governos.
O mapa que exibe os dados de janeiro deste ano, por exemplo, conta com as informações de 21 estados e do Distrito Federal. Outros cinco, no entanto, ainda não dispõem do número. Isso mais de um mês e meio depois.

Veja a justificativa de cada um deles:

Bahia: a secretaria diz que o setor que trabalha com o fechamento dos dados não determina um prazo para a conclusão e que, quando as informações forem liberadas, serão divulgadas

Ceará: a secretaria diz que “os dados estão sendo consolidados e, por isso, não foram divulgados ainda”
Minas Gerais: a secretaria diz que os dados de janeiro de 2018 serão divulgados apenas em abril. A pasta afirma que os números passam por auditagem para “total
transparência e confiabilidade”

Paraná: a secretaria diz que ainda não possui a informação. “Os dados alimentados pelas unidades policiais nos sistemas de coleta não passaram pelo crivo de qualidade para divulgação e encontram-se em processo de homologação”, diz

É consenso entre a maioria dos especialistas ouvidos pelo G1 que o perfil de quem mata é parecido com o perfil de quem morre. Em geral, apontam, são homens negros de baixa renda, com baixa escolaridade, com até 29 anos, e moradores da periferia – especialmente locais onde o Estado é ausente e não atua com políticas públicas.

Os especialistas afirmam ainda que as mortes costumam ter alguma relação com o tráfico de drogas. Para eles, o aumento no número de crimes violentos está ligado ao fortalecimento e às brigas de facções criminosas. As mortes também são facilitadas pela crescente oferta e circulação de armas de fogo, dizem.

Poucas mortes são esclarecidas. Na maioria dos casos, não há autor do crime identificado, denunciado ou condenado. Os especialistas afirmam que o governo precisa investir mais em prevenção, inteligência e investigação.
O G1 também consultou secretários da Segurança Pública ou pessoas indicadas pela pasta. A maioria também culpa o tráfico de drogas e as organizações criminosas pelo crescimento no número de mortes. A impunidade é bastante mencionada como um dos estímulos para mais violência.

O delegado titular da DIH de Goiás, Thiago Damasceno, diz que as facções criminosas de São Paulo e Rio de Janeiro, que se estabeleceram no estado, são as principais responsáveis pelas mortes.

No comando da Segurança Pública e Defesa Social do Rio Grande do Norte, a secretária Sheila Freitas acrescenta ainda que faltam recursos para investir em segurança pública.

“A gente precisa urgentemente de um sistema único de segurança pública pelo qual sejam destinados valores para os estados nos mesmos moldes em que são destinados para a educação e para a saúde. A gente precisa combater o crime maior que causa os homicídios. E, a meu ver, o crime maior que causa isso é o tráfico, é a droga”, diz Sheila Freitas.

‘Ano atípico’

O Rio Grande do Norte é o estado que teve o maior índice de mortes violentas a cada 100 mil habitantes em 2017: 64. O ano começou com o massacre de Alcaçuz e terminou com um recorde histórico de mortes violentas.

Uma das vítimas foi a dona de uma barbearia no Shopping Ayrton Senna. Micaela Ferreira, de 27 anos, foi feita refém durante um assalto a um carro-forte e morreu com um tiro na cabeça enquanto era usada como escudo humano em julho do ano passado.

Um mês antes de morrer, ela postou no Facebook: “Natal está entregue aos bandidos”. Vítima de um assalto, ela decidiu mudar o salão de lugar. Ela estava no novo local havia dois dias apenas.

“A gente ainda está aguardando a justiça ser feita”, conta a mãe, Sibele Ferreira. “A violência está cada dia pior. Natal não tem mais segurança. Hoje a gente é refém. Nós que vivemos dentro de casa e a bandidagem solta. O poder público não faz nada.”

Questionada sobre a primeira posição do ranking, a Secretaria da Segurança Pública do Rio Grande do Norte diz que “não há atualmente no Brasil uma padronização na coleta e publicação dos dados das secretarias de Segurança Pública, implicando que em alguns estados os números de mortes violentas sejam maiores que em outros, ainda que não represente a realidade”.

“Segundo a 11ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o RN se encontra no mais alto grau de transparência e qualidade dos seus dados. O estado pertence ao Grupo 1, no que se refere à qualidade dos dados de homicídios. Neste grupo, estão as unidades da federação com dados de homicídios de boa qualidade e aderência à proposta do Protocolo de Bogotá”, afirma a pasta.

Além disso, o governo diz que 2017 foi um “ano atípico”. “Iniciamos, no mês de janeiro, com a crise no presídio de Alcaçuz, resultando em um número de mortes elevado. A situação do sistema prisional, que reflete diretamente na segurança pública, está sendo tratada pelo governo do estado como prioridade, o qual já realizou concurso, construiu presídios e elaborou um plano para ser estabelecido a longo prazo”. “Estamos trabalhando, por meio das polícias Militar e Civil, para reduzir, não só as mortes violentas, como os demais números relacionados à segurança.”

‘Trauma de polícia’

Já o Ceará é o estado que teve o maior crescimento de mortes tanto em número absoluto (1.677 mortes a mais em um ano) como percentualmente (48,5%). Foram 5.134 homicídios, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte no ano passado.

Shyslane Nunes de Sousa, de 24 anos, morreu baleada em março de 2017 durante uma troca de tiros entre a polícia e dois suspeitos de um assalto em Maracanaú, na região metropolitana de Fortaleza. A jovem estudante de gastronomia chegava em casa da faculdade, por volta de 23h30, quando foi abordada pelos criminosos. Foi baleada logo depois, na chegada da polícia.

“Estou com trauma de polícia. Eu vejo um carro de polícia na rua e eu não sei se estou seguro. Não sei o que pode acontecer (…) Quero justiça. Quero que o culpado que fez isso com minha filha pague (…) Aposto que se fosse filho de um policial, se fosse filho de um juiz, se fosse filho do governador, do secretário de Segurança, já tinha sido resolvido. Infelizmente, o nosso Brasil é assim”, afirma o pai, Francisco Roberto de Sousa.

A Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social diz que não tem medido esforços para combater as mortes violentas e vem reforçando ações de enfrentamento à criminalidade em todo o território cearense.

“Vale ressaltar que o aumento registrado no Ceará, em 2017, também foi contabilizado em outros estados do país, o que corrobora para atribuir esse crescimento a uma problemática nacional e não localizada em um estado ou outro. Por isso, há necessidade de haver uma pactuação nacional que envolva todos os estados brasileiros. O Ceará tem como prioridade manter a transparência e a confiabilidade dos dados criminais e dar publicidade a eles, seguindo diretrizes da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), do governo federal. Dessa forma, não é legítimo fazer comparação dos dados criminais entre os estados, já que cada estado conta suas mortes utilizando metodologias diferentes”, diz.

“Para conter o avanço de mortes violentas, a SSPDS tem investido também em ações de territorialização, fazendo com que os policiais militares estejam presentes 24 horas por dia nas periferias e nas comunidades, com apoio de outros órgãos e esferas do poder público. Para além da segurança, há investimento, por parte do governo do estado, em acesso à infraestrutura, educação em tempo integral, oportunidades de estágios e empregos, projetos culturais, esportivos e de lazer, priorizando áreas mais vulneráveis à criminalidade. Outro investimento em segurança foi na área de tecnologia”, afirma, em nota.

‘Disputa territorial’

O número de latrocínios no Acre dobrou de 2016 para 2017. Em apenas um ano, o estado passou de 13 vítimas para 26. É o maior crescimento no tipo de crime do Brasil. O dado acompanha um aumento de 44% no total de crimes violentos – variação impactada também pelo número de homicídios dolosos. Foram 354 em 2016 e 503 em 2017.
Vítimas de crimes violentos no Acre

A Secretaria da Segurança Pública do Acre diz que tais crimes são reflexo da disputa territorial entre as organizações criminosas em todo o país, desde a execução de Jorge Rafaat, em 2016, no Paraguai.

“O Acre tem adotado medidas estratégicas de combate à criminalidade, tanto preventivas quanto operacionais. Hoje, a maior penitenciária do estado já conta com bloqueador de sinal de telefonia celular. Todas as unidades prisionais passam por reformas, os líderes das facções estão separados em celas no Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) na penitenciária de segurança máxima da capital e novas vagas para policiais Civil e Militar foram abertas em concurso público no ano passado.”
‘Astral muito baixo’

Pernambuco também apresenta uma das piores taxas de crimes violentos do país: está na 3ª posição. Em 2017, 5.427 pessoas foram vítimas de homicídio doloso, latrocínio e lesão corporal seguida de morte – número 21,2% maior que o de 2016.

A fisioterapeuta Tássia Mirella de Sena Araújo, de 28 anos, faz parte das estatísticas. Tássia foi morta em abril dentro de casa, vítima de violência sexual e tortura. O suspeito era vizinho da fisioterapeuta e foi denunciado pelo Ministério Público. O caso ainda não foi a julgamento.

“Já vai fazer um ano que [o crime] aconteceu. Nós estamos há 11 meses… E até hoje, todos os dias a gente lembra, todos os dias a gente chora. E quando passa uma data como essa agora que passou, 8 de março, Dia Internacional da Mulher, a gente fica com o astral muito baixo”, afirma o pai da vítima, Wilson Araújo.

A Secretaria de Defesa Social diz que “trabalha intensamente para quebrar a espinha dorsal dos homicídios”. “Entretanto, é preciso entender que a questão da segurança pública passa pelo cenário brasileiro, que demonstrou aumento de homicídios em todo o território nacional, sobretudo no Nordeste. Pernambuco não está imune a essa questão, sofrendo as consequências da falta de fiscalização nas fronteiras (a fim de evitar a entrada de drogas e armas), da ausência de vagas em presídios federais e de uma política nacional de segurança, assim como da insuficiência de recursos da União para apoiar os estados. O crime organizado está em todo o território nacional, agindo de forma articulada, e os estados não podem seguir isolados e sobrecarregados nesse embate”, afirma, em nota.

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