Três processos tramitam na 4ª Vara de Justiça Criminal do município de Santa Rita, Região Metropolitana de João Pessoa, com o objetivo de apurar uma suspeita de emissão de registro da venda de terras em nome de um homem que estava morto 26 anos antes. De acordo com os documentos, a assinatura de Manoel Barbosa da Silva, que morreu em 1935, consta no registro de venda da Fazenda Jacaraúna, em 1961.
A história começa quando Manoel Barbosa da Silva adquire a propriedade fazenda Japungu por volta de 1891 e, por volta de 1930, torna-se proprietário também da fazenda Jacaraúna. Com a morte da esposa e a realização de um inventário, foi feita a partilha das terras. Manoel Barbosa, então, ficou com metade da fazenda Japungu em seu nome e a outra metade foi dividida entre os cinco filhos. A fazenda Jacaraúna, por fim, já era de Manoel por inteira.
Quando Manoel morreu, em 1935, não foi feito nenhum inventário sobre as suas posses, mas as propriedades continuaram sendo ocupadas pelos filhos como morada e trabalho. No entanto, em 1961, uma procuração teria sido forjada, com a assinatura do falecido Manoel Barbosa da Silva, em nome de Luiz José.
De acordo com ação impetrada pela família de Daniel Santana, trineto de Manoel, diversas vendas e desmembramentos das terras foram feitas, desde a primeira procuração falsificada, já que seria impossível Manoel assinar a procuração 26 anos após a sua morte.
A propriedade de Japungu tem 7 km de largura e 14 km de comprimento. Atualmente, ainda há uma pequena ocupação em quatro hectares de terra da fazenda Jupungu e 18 hectares ocupados por pessoas da família de Manoel na fazendo Jacaraúna. Como as transações aconteceram ao longo desses anos e havia, de fato, uma procuração no nome de Manoel, não era possível provar que as vendas eram ilegais.
Embora a família soubesse da ilegalidade, não havia provas. Quando o pai de Daniel contou para ele a história e o trineto de Manoel buscou identificar o que tinha acontecido, algumas provas foram surgindo. Daniel começou a procurar em 2009 os documentos e as procurações que comprovavam a falsificação. No entanto, apenas em 2016 entrou na Justiça com o pedido de investigação.
Fazenda Japungu, em Santa Rita, na Grande João Pessoa — Foto: Daniel Santana/Arquivo
Atualmente, há três processos em aberto sobre o caso. Um deles é uma ação reivindicatória cumulada com pedido de liminar direta e indireta das propriedades Japungu e Jacaraúna, com pedido de anulação do registro imobiliário, cancelando todas as transações já realizadas dos locais e reivindicando a propriedade. Esse processo está pendente de julgamento. Como ele corre em segredo de justiça, não há detalhes sobre o caso.
O outro processo data o ano de 2016 e trata-se de um processo administrativo contra o Cartório 2º Ofício de Notas, onde teria sido feito o registro do imóvel e de onde saiu a procuração falsificada.
Nos pedidos para ter acesso aos documentos, o cartório informou à Justiça que “após terem sido realizadas várias buscas nos arquivos […] não foi localizada, até o presente momento, matrícula aberta para os imóveis identificados [Japungu e Jacaraúna]”. Já no que diz respeito ao segundo imóvel, que consta no livro 3-B do cartório, não foi possível localizar, nem confirmar as informações apresentadas por Daniel, porque o livro estava totalmente deteriorado.
O último processo, e mais recente, é do ano de 2018. Trata-se do processo de falsificação das procurações em nome de Manoel Barbosa, da fazendo Jacaraúna. A última movimentação é uma certidão que foi expedida para dar prosseguimento ao processo.
Sentença do Tribunal de Justiça da Paraíba — Foto: Daniel Santana/Arquivo
Parecer do Ministério Público
No segundo processo, um parecer do Ministério Público esclarece que houve uma solicitação no cartório pelo registro de imóvel da fazenda Jacaraúna. Esclarece, ainda, a resposta do cartório, que informou sobre a deterioração do livro onde consta o documento.
Diante do exposto, o promotor Romualdo Tadeu explicou que, segundo o CNJ, a danificação de qualquer livro do serviço extrajudicial deve ser comunicada à Justiça. Portanto, no parecer, o promotor solicita a extração do máximo de informações possíveis do livro 3-B, para atender a solicitação do requerente, Daniel Santana.
Ele também considera que o procedimento administrativo não é o meio mais adequado para a investigação e recomenda a instauração de uma sindicância para apurar os fatos. Portanto, a última movimentação no processo trata-se de uma sentença que determina que o cartório informe em que situação está a deteriorização do livro e o andamento da sua restauração, para que seja possível analisar o registro do imóvel Jacaraúna, e também decide pela abertura de uma sindicância para investigar o caso.
Operação Escribas cumpriu mandados estão sendo cumpridos em João Pessoa — Foto: Walter Paparazzo/G1
Cartório envolvido em operações do MP
O Cartório 2º Ofício de Notas, de Santa Rita, foi alvo de uma operação do Ministério Público, em 2016, para desarticular uma sistema financeiro de falsificação de documentos, falsidade ideológica, corrupção ativa e passiva e desvio de dinheiro.
Um dos envolvidos é Walfredo José de Ataíde Júnior, conhecido como Júnior do Cartório, que era responsável pela expedição de atos cartoriais para legitimar a existência de casas fictícias, sob o pagamento de propina. Quando interrogado, Júnior se limitou a negar a possível atuação no cartório com o propósito de favorecer alguém.
Na última terça-feira (11), a Operação Escribas, também do Ministério Público da Paraíba, por meio do Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (Gaeco), cumpriu três mandados de prisão, três de busca e apreensão, além de sequestro de bens, para desarticular um esquema criminoso que estava desviando valores do Cartório do 2º Ofício de Notas e Registro de Imóveis de Santa Rita.
Foram presos a tabeliã substituta do cartória, Mércia Fátima Ataíde, e os filhos dela, Valercia Fátima Ataíde e, novamente, Walfredo Júnior. Este, segundo Daniel Santana relatou ao G1, foi a pessoa que o atendeu na primeira vez que esteve no cartório, e afirmou que o registro da solicitação do livro era impossível, pois estava ilegível. Em um novo retorno de Daniel ao cartório, Júnior, de acordo com o processo, teria dito que Daniel o estava importunando.
G1