sábado, abril 20, 2024
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Suicídios de crianças e adolescentes no Japão atinge recorde histórico

O Japão enfrenta um número sem precedentes de suicídios infantis, segundo dados publicados neste mês pelo Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-estar do Japão. Só no ano passado, 514 estudantes dos ensinos fundamental e médio tiraram suas vidas — entre eles, 17 crianças com 12 anos ou menos.

É a primeira vez desde que as estatísticas começaram a ser compiladas em 1980 que o número de ocorrências passa de 500. Embora os suicídios de japoneses de todas as idades tenham aumentado 4,2% em 2022, chegando a 21.881 casos, a estatística ainda está distante do recorde histórico de 34.427, registrado em 2003.

A queda dos suicídios no Japão nas últimas duas décadas foi de cerca de 40%, e é atribuída ao esforço de organizações não-governamentais como a Lifelink, fundada em 2004. A ONG foi criada por Yasuyuki Shimizu, motivado após dirigir um programa investigativo de televisão sobre crianças que ficaram órfãs após o suicídio de seus pais.

— Apesar da queda geral, o suicídio de menores de idade continua aumentando e isso significa que as medidas de apoio não são suficientes — disse.

Shimizu deixou o jornalismo investigativo para se dedicar à questão social que considera premente. Para ele, a tecnologia e as redes sociais têm agravado o problema, já que as mensagens, em casos de bullying, perseguem as crianças 24 horas por dia. Os especialistas lembram, no entanto, que o suicídio é sempre multicausal, sem um só detonador.

No Japão, que lida há anos com um declínio das taxas de natalidade e o envelhecimento, a pressão acadêmica e o medo do bullying são alguns dos fatores associados ao suicídio infantil, principalmente no final das férias. Questões familiares também contribuem para causar o desejo de “querer desaparecer deste mundo”, segundo o especialista.

Um outro ponto, continuou Shimizu, é a violência machista:

— Muitas das crianças que nós atendemos falam da mãe querendo tirar a própria vida depois de apanhar do pai. Isso pode criar um ciclo.

O Lifelink recebe uma média de 4 mil ligações telefônicas e 3 mil mensagens de texto, muitas delas vindas de menores de idade. As crianças e adolescentes japoneses se familizam com o suicídio por meio de informações frequentes sobre o tema, afirmou Shimizu, que descarta a visão generalizada ocidental de que a cultura japonesa incetiva as pessoas a desistirem da vida por meio de celebrar na sua literatura e em seu cinema atos como o harakiri ou os pilotos kamikaze.

De fato, segundo Shimizu, a percepção do suicídio como um problema que a sociedade precisa enfrentar abertamente o normalizou e favoreceu a discussão de leis para erradicá-lo. Mas também faz com que muitas crianças o vejam como uma opção para escapar de seus problemas.

Embora no Japão as emissoras nacionais de TV adotem eufemismos como “acabar com sua própria vida”, as estatísticas do ato são anunciadas anualmente na mídia e nos sites de ministérios, governos regionais, da polícia e de instituições que promovem saúde mental. Na rua, contudo, o suicídio ainda é uma palavra “tabu nas conversas, apesar de não receber a categoria de pecado que lhe é atribuída por religiões como o cristianismo ou o islamismo”, explica Shimizu.

— Quando as crianças puderem dizer o que pensam em suas escolas ou em casa, creio que a quantidade de crianças que se suicidam diminuirá — disse o especialista.

A mídia japonesa frequentemente cumpre as recomendações da Organização Mundial de Saúde de omitir os métodos ao noticiar suicídios. Ainda assim, no caso de mortes de celebridades, os detalhes costumam a vazar nas redes sociais e sua repercussão é praticamente imediata.

Shimizu cita os picos que ocorrem depois que os suicídios de pessoas famosas vêm à tona. Em julho e setembro de 2020, os atos cometidos por um popular ator de 30 anos e de uma atriz de 40 anos foram emulados por pessoas de idades semelhantes, dobrando as mortes pelas próprias mãos nos dias seguintes ao anúncio de ambos incidentes.

Problema social e politicas publicas
Muitos japoneses associam o suicídio à vergonha e o relegam a um problema individual restrito a pessoas fracas. Em 2006, com a ajuda de parlamentares que ouviram depoimentos de crianças cujos país morreram por suicídio, Shimizu rascunhou e aprovou com sucesso a Lei Básica de Combate ao Suicídio, cujo fim é transmitir a mensagem de que fazer frente à questão é um trabalho que cabe à sociedade como um todo.

Depois de criar metas numéricas para reduzir a taxa de suicídio a níveis semelhantes aos de outros países industrializados, a Lei Básica produziu quase duas décadas de queda nos atos. Permitiu também uma dinâmica colaborativa que evita os habituais obstáculos entre organizações, priorizando soluções.

— Porém o mais importante é ensinar as crianças a enviar uma mensagem pedindo auxílio e ajudar a conscientizá-las de que não há problema em fazer isso — disse o fundador do Lifelink.

Logo no início da pandemia, Shimizu gerenciava a criação de um órgão chamado Centro de Prevenção do Suicídio no Japão, que fez frente ao aumento dos suicídios durante as quarentenas e compensou em parte o fechamento dos centros de apoio devido às restrições sanitárias. Em janeiro de 2021, o centro foi classificado pela Organização Mundial da Saúde como um “centro colaborador que realiza pesquisa e treinamento para prevenção do suicídio”. Entre seus objetivos estão o intercâmbio acadêmico internacional, a exportação de suas experiências para outros países e a criação de uma rede global de medidas contra o suicídio.

O Globo

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