Retirada de chiste sobre a relação amorosa entre Batman e Robin, feito nos anos 1970, também faz pensar na edição de obras com outro contexto histórico
A troca de uma piada feita pelo personagem Chapolin Colorado, pelo Multishow, canal pago que se tornou a segunda casa das séries Chaves e Chapolin no Brasil, tem dividido opiniões e, desse modo, reacendido dois debates caros à área cultural. Um deles é sobre os limites do entretenimento, discussão alimentada especialmente pelos ditames politicamente corretos. Fazer piada com minorias é mesmo engraçado? O outro resvala no departamento de história das universidades: assim como aconteceu na supressão de termos racistas em Monteiro Lobato, em que medida é benéfico para o conhecimento fingir que nossos antepassados não pensavam diferente da gente?
Entenda a questão: em um episódio do Chapolin, o herói mexicano é desprezado por uma personagem, que diz que teria sido melhor “chamar o Batman” do que ele. Na dublagem anterior do trecho, exibida pelo SBT, o desbocado Chapolin não deixava a questão por menos e disparava: “Em primeiro lugar, o Batman não está, porque está em lua de mel com o Robin”. No Multishow, a frase considerada homofóbica e substituída por: “Em primeiro lugar, o Batman não pôde vir porque furou o pneu do batmóvel.”
O que historiadores que defendem a preservação das obras como foram criadas afirmam é que, ao servir de janela para um outro tempo, uma outra mentalidade, uma outra cultura, uma determinada obra nos ensina a ler contextos históricos e a aprender com eles. Essa espécie de censura póstuma, ao contrário, fecha a janela e limita o saber. Retoma-se aqui, entre outros, o argumento de que é preciso conhecer o passado para não repeti-lo no presente. Também pode ser animador, a depender da situação, ver como a sociedade evoluiu em termos de valores.
Mais quente, a discussão sobre os limites do humor traz ainda mais elementos éticos, e, a julgar pelo posicionamento de nomes como Renato Aragão e Marcius Melhem, está sendo vencida por quem sabe fazer humor sem recorrer a golpes baixos.
Confira a íntegra do posicionamento da emissora abaixo:
“Estamos cientes das críticas e ainda vamos acertar e errar, mas sempre na tentativa de fazer o melhor. É vivo, uma troca, não é uma decisão única. Estamos aqui para discutir juntos, ajustar também com os fãs. Em algumas piadas, realmente existe um cunho homofóbico, mais machista. Nos anos 1970, isso era mais comum, mas hoje, felizmente, estamos em outro momento. Vamos entendendo o limite dentro do humor. A linha é muito tênue e, por isso, uma decisão sempre difícil. Somos uma marca democrática, com a responsabilidade de debater todas essas questões. Temos um poder social muito grande nas mãos. Vamos, sim, ficar de olho nisso, mas entendemos a liberdade artística e o contexto da época do produto e, por isso, vamos buscar ser fiéis à obra idealizada pelo Bolaños.”
(Com Estadão Conteúdo)