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Publicitária enfrenta câncer metastático há 5 anos viajando pelo mundo: ‘Meio de vida’

Diagnosticada com tumor em 2014 com uma estimativa de vida de um ano e meio, Fabiana Azzolini contrariou prognósticos vivendo intensamente e até recebeu bênção do Papa Francisco.

Como receber a notícia de um câncer metastático, que não tem possibilidade de cura? Para muitos, o diagnóstico é considerado como uma sentença de morte, mas quando recebeu essa notícia em 2014, aos 40 anos de idade, a publicitária de Araraquara (SP) Fabiana Azzolini resolveu que queria viver a vida e conhecer o mundo.

Ela tem um tumor estromal gastrointestinal (GIST, na sigla em inglês), um tipo de câncer raro.

Na época, os profissionais da área médica estimaram que ela teria um ano e meio de vida “numa boa perspectiva”. Desafiando o prognóstico, Fabiana está – em suas próprias palavras – “fazendo hora extra há quatro anos” e de uma forma intensa, enfrentando as batalhas do corpo, da mente e com a burocracia que cerca um paciente com a sua doença. Ao mesmo tempo, ela tenta viver o melhor possível de cada dia.

Ela conversou com o G1 na terça-feira (3), Dia Mundial de Combate ao Câncer, e contou as batalhas que vive e como encontra forças para lutar contra a doença.

Em 2016, já com o diagnóstico de câncer, Fabiana foi para Bariloche, realizar o sonho de conhecer a neve  — Foto: Arquivo pessoal

Em 2016, já com o diagnóstico de câncer, Fabiana foi para Bariloche, realizar o sonho de conhecer a neve — Foto: Arquivo pessoal

Por conta da doença, Fabiana já retirou tumores do estômago, perdeu parte do fígado e, há uma semana, retirou o útero e os ovários. Em contrapartida, passou a apreciar mais os sabores e os lugares e começou a comemorar muito mais os seus aniversários.

Atualmente, ela mora com suas duas cadelas – Barthô e Aretha – em Ribeirão Preto para ficar próxima ao tratamento no Hospital das Clínicas da cidade e no Hospital de Amor, em Barretos. A rotina é dividida entre hospitais e laboratórios e as saídas com os amigos para bares, shows e festas e, sempre que possível, com viagens, que ela faz desafiando médicos e a família.

“Eu faço da viagem um meio de vida. O que me faz viver mais é programar uma viagem e seguir firme naquele objetivo de ficar viva até ela chegar e eu viajar.”

Diagnóstico

A decisão de viver a vida o mais intensamente possível foi tomada no instante que recebeu a notícia de que tinha metástase. O diagnóstico aconteceu no auge de sua carreira como publicitária. Até então, ela gostava de viajar, mas pouco fazia devido ao forte envolvimento com o trabalho. Apenas uma vez havia viajado para o exterior.

Bem diferente dos últimos anos em que, além de viajar pelo Brasil, foi para a Europa, Chile, Argentina, conheceu o deserto do Atacama e a neve.

Os sinais começaram um ano antes do diagnóstico. Em 2013, Fabiana procurou atendimento médico por conta de crises de asma, mas os exames nada apontavam. Como também tinha vômitos, achou que era uma gastrite causada pelo estresse do trabalho e deixou de lado até ter crise mais grave de asma e procurar um pneumologista. Ele pediu uma tomografia, que mostrou uma pequena mancha no pulmão.

Em uma de suas viagens após o diagnóstico de câncer Fabiana foi conhecer Inhotim — Foto: Arquivo pessoal

Em uma de suas viagens após o diagnóstico de câncer Fabiana foi conhecer Inhotim — Foto: Arquivo pessoal

“Ele disse que pelos anos de experiência que tinha, aquilo não era nada”, conta. Por conta da insistência da publicitária, o médico pediu uma ressonância que constatou que realmente a mancha não era no pulmão e tratava-se de uma cicatrização na costela, mas o mesmo exame mostrou outra mancha, desta vez no fígado.

Mais uma vez o médico, dessa vez um gastroenterologista, disse que não era grave e que se tratava de esteatose (acúmulo de gordura), e pediu uma endoscopia para avaliar uma possível gastrite. O exame, por sua vez, apontou uma hérnia no esôfago que deveria ser operada.

Por conta dos compromissos do trabalho, Fabiana adiou a cirurgia, mesmo com a piora dos sintomas, por quase oito meses. Na mesa de operação, o cirurgião não conseguiu passar a cânula com a câmera para fazer a vídeolaparoscopia, por conta de uma massa próxima ao estômago e resolver operar, encontrando um tumor que estava atrás do estômago.

Essa foi só a primeira série de exames e cirurgias que Fabiana ia passar desde então. “No resultado da biópsia, o médico disse que o tumor era maligno, mas ‘bonzinho’. Eu apertei a tecla SAP e entendi o que eu quis. Ele queria dizer que o tumor não crescia rápido, eu entendi que era benigno”, conta.

Tatuagens feitas por Fabiana Azzolini após receber o diagnóstico de câncer metastático — Foto: Arquivo pessoal

Tatuagens feitas por Fabiana Azzolini após receber o diagnóstico de câncer metastático — Foto: Arquivo pessoal

Mas não era e ela teve que seguir para um tratamento oncológico. Tão cruel quanto o diagnóstico é o medicação do câncer e Fabiana começou a sentir os efeitos da quimioterapia oral que tomava diariamente. “Foi um horror. A minha tireoide parou de funcionar, eu comecei a ter tontura, vomitar, passava muito mal no começo. Abriu uma hérnia na minha barriga enorme por conta dos vômitos”, disse.

Por conta da hérnia, ela foi novamente para a cirurgia, na qual os médicos encontraram novamente o tumor. Além disso, a mancha do fígado foi extraída e a biópsia apontou também ser um tumor.

Com o ressurgimento do câncer, ela mudou a quimioterapia e foi para uma mais violenta ainda. “Eu fiquei oito meses tomando, mas eu mal podia andar, eu fiquei todinha amarela, meus pelos do corpo ficaram todos brancos, bolhas nas mãos e nos pés, feridas na boca, eu não conseguia comer, eu chorava muito porque eu falava que não ia sair daquilo. Foram oito meses andando de muleta, um sofrimento, eu definhei”, lembra.

A mudança veio oito meses depois quando ela foi diagnosticada com metástase no fígado, ou seja, a quimioterapia, apesar de violenta, não estava fazendo efeito.

“Foi meio desesperador porque não tinha outra droga. Tinha, mas que estava para ser aprovada nos EUA. Por protocolo médico voltei para a quimioterapia anterior com dose dobrada. Neste momento deram um ano e meio de vida. Aí eu resolvi que ia viver. Eu falei ‘doutora, já que eu vou morrer, enquanto eu não morro eu posso viver, né?”

Ela então resolveu viver a vida do seu jeito, mesmo contra a vontade da família e dos médicos. “A minha família me colocou numa redoma de vidro, não me deixava fazer nada. Eu queria beber, queria sair, queria viajar. Passado um tempo a médica achou que eu estava em negação e me mandou para psicóloga. Mas não era negação, eu já tinha entendido que estava doente, eu só não vou viver como uma moribunda, eu me recuso porque a única coisa que vai me manter viva é viver e comecei a viajar para horror da minha família”, conta.

As viagens não são fáceis, mas ela não se abala e mal chega de uma viagem começa a programar outra. “Não tenha uma viagem que eu faça que eu não passe perrengue. Eu já passei em alfândega com mala carregada de remédios, inclusive líquido. Eu volto de todas as viagens de cadeira de rodas com assistência médica. Eu me arrebento inteira na viagem, caio, choro de ódio, mas não deixo de ir”, afirma.

Bênção do Papa

A publicitária Fabiana Azzolini recebeu uma bênção do Papa Francisco em 2019 — Foto: Arquivo pessoal

A publicitária Fabiana Azzolini recebeu uma bênção do Papa Francisco em 2019 — Foto: Arquivo pessoal

Em uma dessas suas viagens ela conseguiu o que acredita ser um sinal de Deus ao ser benzida pelo Papa Francisco. “Em março do ano passado, eu ia para Itália e alguém me contou que o Papa fazia a audiência papal às quartas-feiras. Aí eu já estava na véspera da viagem não consegui convite, porque é um pouco complicado, precisa mandar e-mail com antecedência para o Vaticano e eu não tinha mandando nada, mas eu queria ver o Papa”.

Já na Itália, por sugestão de uma amiga, partiram de Firenze rumo ao Vaticano sem convites, viajando a noite inteira de trem. Chegaram ainda de madrugada na fila, carregando um pequeno cartaz.

“Uma amiga deu a ideia de fazer um banner para o papa falando que era brasileira e queria a benção dele e outra amiga fez a arte. Eu queria um banner bem pequenininho porque não queria levantar e ficar na frente de ninguém porque se fizessem isso comigo eu ia odiar”.

Na tentativa de conseguir um convite, ela foi procurar o lugar onde fazia a distribuição, nem conseguiu achar, mas seu choro despertou a solidariedade de uma freira que lhe deu os convites.

A publicitária Fabiana Azzolini com o convite que conseguiu de última hora para a audiência geral com o Papa Francisco e exibindo o terço que ganhou dele — Foto: Arquivo pessoal

A publicitária Fabiana Azzolini com o convite que conseguiu de última hora para a audiência geral com o Papa Francisco e exibindo o terço que ganhou dele — Foto: Arquivo pessoal

Com ajuda de uma amiga e de guardas, ela enfrentou a multidão e conseguiu um lugar na frente do trajeto do papa. “Lá a gente sentou, eu pendurei meu banner na cerca com o cabo do meu celular e ai quando o Papa estava descendo no papamóvel, eu vi ele lendo o meu banner, eu juro por Deus. Ele leu e olhou para mim”, conta.

Ela conta que, após circular pela Praça São Pedro, já indo embora, o Papa Francisco desceu do papamóvel e a buscou na multidão.

“Ele veio a mim, me benzeu e me deu um terço de pérolas, podia ser de miçanga, podia ser de qualquer coisa, que tem um valor pra mim inestimável, é a coisa mais linda desse mundo, está na cabeceira da minha cama e eu não desgrudo mais dele, eu só entro no centro cirúrgico se eu tiver o meu terço comigo”.

Para Fabiana, a bênção do Papa foi uma revitalização da sua fé. “Eu sabia que já estava em crescimento dos tumores de novo, eu estava totalmente desacreditada de mim, achava que já estava sem fé, mas para mim foi Deus pondo a mão na minha cabeça e falando: ‘filha, você não está sozinha, vai, continua’”.

A fé, segundo Fabiana, é um dos pilares da sua sobrevivência. Ela conta que buscou em várias vertentes força para continuar a sua luta e descobriu que tinha muita gente com ela.

“Mandavam eu fazer uma cirurgia espiritual num centro eu ia, me mandavam para Franca eu ia, me mandavam para uma igreja eu ia, eu fui em tudo o que você pode imaginar, em tudo que é tratamento e isso também me ajudou a me fortalecer. Até que eu fiquei sabendo por uma amiga que estava na missa que meu nome estava lá quando o padre foi fazer os oferecimentos. Eu fui percebendo que tinha uma mobilização gigante em volta de mim, de pessoas que eu nem tinha muito contato. Uma vizinha chegou e disse Fabiana tem gente orando por você que você nem sabe que existe. Eu me emociono quando eu falo sobre isso”.

Em uma dessas viagens, quando estava em Portugal, foi conhecer o santuário de Nossa Senhora de Fátima e mais uma vez renovou a vontade de viver. “Aquilo me tocou profundamente. Eu comecei a chorar quando eu vi a árvore de longe. Eu cheguei na igrejinha e estava tendo uma missa, eu ajoelhei e eu chorava muito e quando eu olhei, todo mundo tinha ajoelhado e começado a orar, e aquilo mexeu muito comigo, me fortaleceu mais. Eu falava eu posso, eu consigo, eu não vou morrer agora”, contou.

Fabiana Azzolini em uma de suas viagens depois que descobriu o câncer, visitando o Santuário de Fátima, em 2017 — Foto: Arquivo pessoal

Fabiana Azzolini em uma de suas viagens depois que descobriu o câncer, visitando o Santuário de Fátima, em 2017 — Foto: Arquivo pessoal

Batalha diária

Segundo Fabiana, as viagens e a fé a ajudam a conseguir forças para a luta diária de um paciente com câncer. “Entre uma viagem e outra, entre uma festa e outra, tem o pânico, tem o desespero, tem, de vez em quando, aquela vontade que isso tudo acabe logo, tem aquela vontade de não, eu vou viver mais 10 anos, vou viajar mais, vou conhecer o mundo, tudo bate, as emoções às vezes se misturam, para quem tá perto é uma loucura”, conta.

“É um susto atrás do outro, você não tem paz. Você tem paz de dois meses, de fazer um exame, o médico falar tudo bem, daqui a dois meses você volta, a gente refaz os exames. Você tem um respiro, mas vai chegando a época dos exames, vai me dando um pânico”.

Além disso, as consequências da quimioterapia são muito drásticas. “Você vai se adaptando com medicamentos. A tireoide parou, você toma um remédio, tá tendo vômito, toma outro, tá tendo isso, toma em jejum aquilo. Então você vai se adaptando. Mas a diarreia não passa. Quando eu já estou bem intoxicada do medicamento, eu não consigo sair de casa, eu sou obrigada a usar fralda em casa. Isso mexe psicologicamente também”, relata.

Fabiana decidiu conhecer o mundo após receber o diagnóstico de câncer — Foto: Arquivo pessoal

Fabiana decidiu conhecer o mundo após receber o diagnóstico de câncer — Foto: Arquivo pessoal

Ela já chegou a tomar 23 tipos de remédio por dia, atualmente são 13. O plano de saúde cobre apenas dois, entre eles a quimioterapia, e o custo com farmácia chega a R$ 1,5 mil por mês. O baque financeiro no início foi enorme. Para arcar com os custos, ela conta com uma aposentadoria e entrou na justiça para conseguir alguns direitos trabalhistas.

Para cuidar da mente, ela faz terapia e crochê. Também abriu um canal no Youtube, chamado Viver o câncer metastático, no qual fala sobre como é viver com câncer.

Empatia

Um dos efeitos é da quimioterapia que Fabiana faz é a alteração de peso. Mas, ao contrário do estereótipo de um doente de câncer, ela engordou 30 quilos. Isso, segundo ela, causa uma impressão equivocada nas pessoas.

“Aí você começa a enfrentar uma série de preconceitos porque as pessoas olham pra mim e falam: ‘Nossa, você está ótima, não parece que você está doente’. Esse é o comentário geral da galera, mas a luta diária é a gente que sabe. Tudo está acontecendo com seu corpo”, afirma.

Para Fabiana, as pessoas, na tentativa de ajudar, acabam não tendo empatia com o paciente que tem câncer. Por conta do seu estilo de vida e da sua aparência, ela chegou ao ponto de ser questionada sobre a real possibilidade de morrer.

“No começo, tá todo mundo com você. É aquela coisa, vai morrer todo mundo quer estar perto. Mas aí você não morre. E as pessoas vão cansando, porque é natural, porque este ano você não morre, no outro ano você não morre e as pessoas voltam para a sua rotina e aí todo mundo começa a falar que ‘você não vai morrer, que está tá ótima!”, conta.

Ela também não gosta quando falam que pensamento positivo pode curar. “Eu tenho vontade de socar quando eu ouço isso”, brinca. “Porque se eu não me curo é porque além de ter câncer, eu sou incompetente, quer dizer a culpa é minha porque a minha cabeça fez o meu câncer e eu vou morrer porque a culpa é minha porque a minha cabeça não curou uma coisa que ela fez. Oi? Vamos ter um pouco de solidariedade, vamos ter um pouco de empatia.”

Decisão difícil

Por conta dos efeitos da quimioterapia, Fabiana resistiu, durante todo ano de 2019, a mudar de medicação e passar para o novo medicamento, com efeitos ainda mais fortes, mas o surgimento de um nódulo no ovário e um mioma no útero, no início deste ano, a fez passar pela sexta cirurgia e mudar de ideia.

Fabiana indo para a sexta cirurgia com o terço que o Papa Francisco lhe deu no pulso — Foto: Arquivo pessoal

Fabiana indo para a sexta cirurgia com o terço que o Papa Francisco lhe deu no pulso — Foto: Arquivo pessoal

“Eu entrei em crise, até que eu entendi. Eu passei um ano miserável de 2019 lutando, nadando contra a maré para não tomar [a nova quimioterapia], mas não tem mais jeito. Agora ou eu tomo ou eu morro. E desde o momento que eu tomei essa decisão, eu estou mais tranquila”, afirmou.

Com a preparação para tomar a próxima quimioterapia, os planos de viagem estão suspensos até que ela saiba quais serão os efeitos da nova droga, mas ela pretende começar a escolher o próximo destino assim que o tratamento se estabilizar.

“Eu acho que o que ajuda a me manter é o meu gosto pela vida. Mas eu gosto da minha vida do meu jeito, de ter liberdade para fazer as minhas coisas. O negócio não é se você vai conseguir curar ou não, o negócio é de que forma que você vai lidar com isso. Isso faz toda a diferença. Eu quero aproveitar enquanto eu tiver tempo porque vai chegar uma hora que eu vou cair na cama e não vou mais me levantar, mas enquanto não chegar essa hora, eu não vou parar, e é isso que me mantém forte.”

G1

 

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