A educação tem raízes amargas, mas os seus frutos são doces. A frase atribuída ao filósofo grego Aristóteles ilustra o caso de Silva Neto, nossa personalidade de hoje.O sistema prisional paraibano há tempos desenvolve projetos educacionais no interior dos presídios. Um exemplo de sucesso é a trajetória do diretor da Penitenciária Regional de Sapé, o ex-presidiário Silva Neto. Após ser condenado, há cerca de 20 anos, ele passou cinco anos no Presídio do Serrotão, em Campina Grande. Lá, por meio de um projeto de ressocialização, voltou a estudar.
Hoje, além de dirigir uma penitenciária, Silva Neto também atua como jornalista e é estudante de Direito. “Minha história é um exemplo para os demais presos. Sou o único ex-detento a dirigir uma unidade prisional no país”, orgulha-se. Na prática, a vivência reflete na rotina da penitenciária de Sapé. Lá, todos os detentos retomaram os estudos e assistem às aulas dentro da própria unidade.
Trajetória – Silva Neto era policial militar. Segundo ele próprio, de temperamento explosivo, tipo “linha dura”. Um desses atos resultou na condenação por homicídio, em 1992, e logo depois cumpriu pena no Serrotão para “viver no inferno”, como ele mesmo descreve. “Um PM, quando é condenado à prisão, é o mesmo que ser sentenciado à morte. Por ter sido policial e também por ter tido uma postura árdua, encontrei várias pessoas que eu levei à cadeia”, lembra.
Após um ano encarcerado, começou a participar de projetos da igreja dentro da prisão e voltou a estudar. “Com muito esforço, terminei o ensino fundamental e depois o médio”, explica. Após sair da prisão, Silva Neto foi procurar emprego. Ao ser rejeitado por algumas empresas por ser ex-detento, foi trabalhar no Corpo de Segurança da Assembleia Legislativa do Estado (AL-PB). Lá permaneceu de 1997 a 2011, quando, em julho, foi nomeado pelo governador Ricardo Coutinho para dirigir a Penitenciária Regional de Sapé.
Recomeço – A chegada à Penitenciária Regional de Sapé foi acompanhada de rejeições e desconfianças. Mais da parte dos policiais do que da própria população. Segundo Silva Neto conta, quando chegou, havia muita gente para recebê-lo. Ele relata também que não dava ouvidos a comentários maldosos. Até compreendia.
Ao iniciar o trabalho na penitenciária, Silva Neto decidiu agir de maneira diferente, com intuito de organizar o local. Primeiramente, fez questão de entrar nas celas para se apresentar e conversar com os presos. Falou, sem medo, do passado. “Entrou um irmão de vocês para cuidar de vocês. Mas, não quero ver aqui nenhuma arma e nenhum celular. Quem tiver, por favor, jogue pela janela”, foi o aviso que deu aos encarcerados. Posteriormente, ao checar o exterior das celas, encontrou 26 facas e 14 celulares.
“Mantive logo um contato direto com os apenados, haja vista que quando saí da prisão (em 1997) montei a Associação dos Familiares e Amigos de Apenados da Paraíba. Eu sentia o desejo de fazer algo por aquele povo. Todos que, certamente, um dia vão estar de volta ao convívio social, pois no nosso país não existe pena de morte ou pena perpétua”, explica Silva Neto.
Poucas semanas após assumir o cargo, Silva Neto também iniciou a reforma do prédio. Paralelamente, convidou a sociedade civil, instituições e empresas a contribuir nas causas do sistema penitenciário. A partir disso, abarcou todos os presos para o projeto de educação do Governo do Estado, promoveu reunião com moradores, fez visitas às casas e familiares de apenados.
“Gosto desse contato, tanto com os presos quanto com a família, porque percebi, no meu caso, como é importante o apoio. Apesar de minha família não ter aprovado meus atos, ela permaneceu do meu lado na época da sentença”, diz.
Além de falar abertamente sobre sua trajetória, Silva Neto não esconde seu lado religioso. O diretor é evangélico e muitos até o chamam de pastor Silva Neto, ou simplesmente, pastor. “Quando assumi a direção, deixaram-me muito à vontade para convidar instituições e toda a sociedade, pois é uma característica desse Governo abrir as portas das prisões para que as instituições públicas ou privadas possam nos ajudar na ressocialização. Convidei todas as religiões. Sei que nosso Estado é laico. Mas, temos as portas abertas para quem quiser contribuir”, afirma.
O trabalho de ressocialização no presídio de Sapé vai além dos muros. Todos os meses, Silva Neto realiza reuniões com a família dos presos, no auditório do Fórum local. “Não faço reuniões em uma igreja para que ninguém reclame de estarmos favorecendo determinada religião. E o bom é que 100% das famílias dos presos participam”, afirma o diretor. “Sei que devo prestar contas do que estou fazendo. Estou como administrador e diretor desta penitenciária”, prossegue Silva Neto.
Metas – “Pela primeira vez na história da Paraíba, o Governo se preocupou com o sistema penitenciário. Inclusive saiu na frente ao aprovar a lei que obriga as empresas que prestam serviço ao Estado a destinarem 5% das vagas de emprego para sentenciados”, completa.
Sobre os projetos de ressocialização existentes na Penitenciária de Sapé, o diretor fala que estão sendo construídas salas de aula, biblioteca e sala para cursos de qualificação. “Temos artesãos, artista plástico e também um grupo de louvor chamado ‘Ressocializando’. Praticamos esportes, temos uma horta e toda reforma da penitenciária está sendo feita pelos próprios detentos”, enumera.
Silva Neto também melhorou a refeição dos presos, mesmo economizando nos pedidos de alimentos ao Governo. “Deixei de pedir, por mês, mil quilos de alimentos ao Estado. Mas não reduzi a comida dos detentos. Eu até melhorei. Não falta alimento no presídio. E o que chega é suficiente para todos”, relata o diretor.
Revendo a trajetória, Silva Neto percebe o que mudou. “Eu falei que era um policial rigoroso. Na época que eu estava na Policia Militar, há 20 anos, achava que quem matasse ou cometesse algum crime não tinha jeito. Acreditava que essa pessoa deveria ser morta. Confesso que, algumas vezes, abusei da autoridade. Eu me sentia tudo – juiz, Deus, a lei – e acima de tudo. Mas, um dia, fui para a prisão. Conheci de perto a dor de estar preso, separado da família, de todos”, desabafa.
Por isso, hoje, ele faz questão de tratar todos os detentos da mesma maneira. Segue com o trabalho e os estudos. Muitas vezes a população duvida se quem vai para a cadeia pode mesmo mudar, mas nossa personagem prova que existem possibilidades. “Educação não transforma o mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam o mundo”, disse certa vez o educador Paulo Freire (1921-1997). Mais que uma grande história, a Paraíba mostra um belo exemplo. Por Pedro Marinho.